O avanço da ciência, perseguindo o rastro da Covid-19 e as sofridas experiências pessoais que os profissionais vêm enfrentando, criam novos e complexos desafios para os neuropsicólogos. Sobre isso debateram Camila De Masi, coordenadora do curso de Neuropsicologia do CETCC e o professor Luan Carvalho, especialista em Neuropsicologia pela faculdade de Medicina da USP, na Live “TCC e Neuropsicologia: como avaliar e tratar dos problemas neuropsicológicos pós-covid-19?’, do evento AconteCETCC.

Os dois professores do Núcleo de Neuropsicologia do Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-comportamental -CETCC- concordaram que os profissionais da área serão crescentemente demandados pela quantidade de pessoas que estão tendo sequelas neuropsicológicas pós-Covid 19. Evocando sua experiencia pessoal, Luan Carvalho lembrou o empenho da sua mãe para pronunciar “epidemiologista”, nome que apareceu na mídia relacionado à pandemia, e disse que neuropsicólogos também serão reconhecidos no meio de um momento muito triste. Mas nossa atuação faz e fará toda a diferença”.

A coordenadora do curso de Neuropsicologia do CETCC, Camila De Masi, Mestre em Ciências pela Unifesp e especialista em Neuropsicologia pela Santa Casa de São Paulo, reforçou: “o papel do neuropsicólogo está, sim, no atendimento de pacientes, construindo conhecimento acerca disso e muito mais do que isso, levando informação, que é o que a gente está fazendo agora. Uma das nossas funções como profissional é levar informação de qualidade e de boa evidência pra que as pessoas possam tirar as suas próprias conclusões e buscar ajuda quando necessário”.

- O que podemos ver - prosseguiu Camila De Masi, não só como neuropsicólogos, mas como profissionais de saúde, é a ciência caminhando. E na história da psicologia a gente vê isso a todo momento:  as boas ideias que a gente teve como ciência, as teorias que a gente criou, as hipóteses que a gente construiu de terapia, todas elas vieram de épocas de crise, de pós-guerra. Agora vivemos uma situação grave, mas tem este lado positivo de estarmos participando de um momento protagonista, envolvidos, lendo, estudando. Mas é um cenário de muitas incertezas. O que eu estou falando aqui é uma informação de hoje; amanhã pode não estar mais valendo. E com este nicho de pacientes isso não é diferente também. O que ajuda é que temos uma certa experiência com quadros infecciosos que acometem o sistema nervoso central, causados por outras doenças. 

Sobre o assunto, Luan Carvalho criou um cenário: “Estamos falando de Ciência aqui, tá?  Seria maravilhoso falar que cloroquina funciona. Mas temos evidências de que não funciona. Grande parte das pessoas que nos assiste procura formação, especialização em Terapia Cognitivo-comportamental, em que nós temos a preocupação de fornecer ao nosso paciente uma prática baseada em evidências. Vamos supor que alguém da família tenha um problema nos rins. Neste exemplo, você gostaria que esse familiar fosse atendido por um médico que lê artigos, que está atualizado sobre as últimas hipóteses, que faz uma terapêutica baseada em evidências ou alguém que tome escolhas baseadas na preferência, na própria opinião?

Depois de citar estudos que indicam que a cada quatro pacientes de síndrome respiratória aguda, um vai desenvolver sequelas cognitivas mais importantes e duradouras, Camila De Masi revelou algo que observou: “Há um dano secundário aí, o dano social e psicológico dessa história toda, do isolamento, das mudanças tão intensas em nossas vidas. Nos últimos quinze dias eu ouvi três histórias de adulto jovem, de 20 a 25 anos que tentaram suicídio. Suicídio não algo que a gente escuta falar todo dia, mesmo quem está na prática.”

O professor Luan Carvalho contou que a recuperação de uma doença como a COVID é muito dolorosa. As evidências apontam para uma onda de depressão, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático, não só pra pessoa que passou por tudo isso, mas como pra família”

O distanciamento causado pela pandemia traz grandes problemas para os profissionais de saúde e na neuropsicologia o quadro é mais desafiador, como conta Camila de Masi: “A gente tomou um ‘sustão” quando entrou a pandemia, porque nos demos conta de que não há métodos de trabalho para fazer avaliação neuropsicológica à distância. Tem se discutido isso mundialmente, o Brasil tem feito alguns esforços, mas de verdade a gente ainda não tem condição metodológica nem de tecnologia para fazer uma avaliação neuropsicológica à distância, sendo uma das nossas metas atuais sistematizar isso”.

E prevê um crescimento da demanda na área: “Ultrapassado esse desafio, se a neuropsicologia já era uma ciência e uma área de atuação dentro da psicologia que vinha crescendo, vai crescer ainda mais. Partindo da minha prática, tenho tido pedidos de avaliação neuropsicológica praticamente todos os dias e não estou atendendo presencialmente neste momento. Vamos precisar de profissionais capacitados. E não é com qualquer formação, qualquer cursinho que poderá atuar. O trabalho de reabilitação é muito intuitivo. A gente tem alguns protocolos, tem técnicas, mas por ser muito individualizado, tem uma coisa muito da expertise do profissional. Por isso acho que diminui um pouco a disponibilidade de gente trabalhando”.

Luan Carvalho mostrou mais sobre a situação dos profissionais: “Quando olhamos para um problema como esse, que é tão fora do que a gente consegue controlar, a perna treme. Quem não sentiu medo, não ficou preocupado, não deu umas choradinhas, quem não ficou de saco cheio em algum momento nesse período, aí é que está estranho”.

Falando sobre a atuação do profissional de saúde mental em tempos de pandemia, enfrentando casos com carências básicas, ele sugeriu: “É muito importante a gente conseguir escolher nossas batalhas e ter uma batalha por vez. Porque quando a gente olha pra tudo isso, fica difícil resolver. Mas se hoje a gente conseguir resolver meio por cento desse problemão, amanhã talvez a gente consiga resolver mais meio por cento e aí, de ontem pra hoje já foi 1%;  aí amanhã a gente continua um pouquinho, mais meio por cento, depois 0.10%. Primeiro deixar a pessoa em segurança. Aí a gente vai colocar no papel tudo que tá ruim e vemos quais batalhas valem a pena a gente brigar. Nem o melhor boxeador do mundo consegue estar em dois ringues ao mesmo tempo. O campeão olímpico não está em duas piscinas nadando ao mesmo tempo. É um desafio. Acho que autocompaixão vem um pouco pra gente pegar mais leve conosco, rever os hábitos. Temos uma oportunidade de uma vida mais significativa, de reatualizar a lista dos sonhos, a lista de prioridades. Esse caos também pode mostrar pra gente uma outra forma de viver. Não quero glamourizar, mas acho que tem uma parcela que sofre e que tem a oportunidade de ressignificar a vida a partir disso”.


Encontre muito mais informação nas lives de março do AconteCETCC em:

https://youtube.com/playlist?list=PLIHaneowxYAtwLCia4O-heAJBCRyQ_TcO

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