Nessa entrevista, a professor Eliana Melcher Martins fala sobre sua experiencia com a TCC e como foi conhecer o criador, Aaron Beck.

- A TCC é uma contraposição à psicanálise, ou seja, outra maneira completamente diferente de lidar com a cabeça humana?

Prof. Eliana:  Sim. É uma outra forma, porque na psicanálise a ênfase maior é o tratamento através do entendimento do inconsciente. As pessoas têm um inconsciente que determina o que elas fazem, a forma como veem o mundo. É uma questão mais filosófica. Na TCC não. Na TCC temos uma forma de ver a personalidade da pessoa, assim como ela entende o mundo. Existe uma característica que é física, genética e existe uma característica mais social, biopsicossocial, que ela adquire com a convivência, com as experiências do mundo. Através desses dois elementos ela vai construindo crenças: a respeito de si, a respeito do mundo, a respeito do futuro. Sua vida é dirigida pelos pensamentos que ela tem a respeito das coisas que vivencia. Então ela pode vivenciar um mundo cruel, um mundo que a prejudica, pessoas que não vão gostar dela porque é uma pessoa diferente das outras, ou que não tem capacidade. Ela vai criando essas ideias.

- E como a TCC intervém?

Prof. Eliana: A TCC vai trabalhar exatamente na modificação das ideias errôneas que a pessoa tem sobre si mesma e sobre o mundo, falando bem brevemente. Tem uma metodologia de tratamento, você tem um caminho a seguir. É obvio que o ser humano é singular. Cada pessoa tem a sua própria vivência, tem as suas próprias crenças, isso tudo a gente leva em consideração. Mas existe uma forma de você trabalhar, existe um plano de tratamento. Isso que diferencia a TCC de outras abordagens humanistas, psicanalíticas ou psicodinâmicas.  Existe uma identificação do problema, pode ser um problema simplesmente de uma visão destorcida do mundo ou das outras pessoas mas podem ser também problemas psiquiátricos como a depressão, transtorno de ansiedade, mesmo transtornos de personalidade. As pessoas trazem um conjunto de coisas que a gente precisa desvendar e a gente tem formas de trabalhar com tudo isso.

- É possível dizer que a TCC é uma evolução do tratamento psicológico, considerando que a psicanalise tem mais de 100 anos e vários outros tipos de terapias fora se estabelecendo?

Prof. Eliana:  - Ela é um avanço dentro de uma linha mais comportamental, behaviorista. Se você for considerar a psicologia em geral, há as teorias psicodinâmicas, construtivistas e vamos dizer assim, mais filosóficas, e há a TCC. Ela vem de uma linha mais prática, ela vem na evolução das terapias comportamentais. Ela é uma evolução e continua evoluindo. A TCC vem das terapias comportamentais, mas aí os pesquisadores viram que existiam as também variáveis de cognição, de pensamentos dentro desse comportamento e que faziam uma grande diferença. Por isso hoje trabalhamos também muito com as emoções através de terapias de terceira onda.

- E quais são elas?

Prof. Eliana:  A psicologia positiva que trabalha mais a questão positiva das pessoas, a aceitação e compromisso;  a terapia de compaixão,  a terapia do esquema também. Todas vem numa evolução  da TCC.  Porque nós trabalhamos num conjunto da pessoa tanto na forma como ela pensa, como na forma como ela se sente. Então o trabalho dessas outras terapias dá maior ênfase às emoções. É uma evolução.

- E a origem foi a preocupação de tornar as terapias como métodos científicos, não?

Prof. Eliana:  Exatamente. Sempre foi uma preocupação de Aaron Beck, porque ele era psicanalista e sempre foi uma preocupação dele transformar a psicanálise em ciência, uma ciência para todos. E ele não conseguia fazer isso porque não existia essa plasticidade que a ciência exige de uma teoria. Foi aí que ele percebeu que poderia ir por esse caminho e poderia transformar a TCC numa ciência. E conseguiu através de todo esse trabalho científico que agora está disponível para todo mundo.

-  Aaron Beck está vivo até hoje. Como foi conhecer pessoalmente o “guru”, o criador da linha que um profissional adota?

Prof. Eliana:  É muito emocionante, a gente perde a voz, porque realmente ele é uma figura extraordinária. É um gênio, é um cientista, que ainda, aos 98 anos, está estudando. Ele admite que as pessoas estudem com ele. É  óbvio que ele não está muito mais à frente do Instituto Beck, quem agora está à frente é a Judith, a filha dele, mas é uma figura extraordinária. Ele vem, conversa com faz os cursos. Ele veio em todos os cursos que eu fiz lá. Ele até faz um exercício de Terapia cognitivo- comportamental com quem quer fazer. Eu nunca me atrevo porque é muita emoção. Ele já está velhinho, mas ele tem uma cabeça impressionante. Muito simples, se ele sabe ele diz que sabe, se ele não sabe, ele também diz que não sabe, tudo bem. É uma pessoa maravilhosa, muito espontâneo. 

- E ele, como criador de uma linha, admite essas evoluções? 

Prof. Eliana:  Ele não só admite como ajuda a evoluir. Até porque no começo ele tinha um pensamento, digamos, mais linear. Que seria o pensamento que provoca uma emoção, que provoca um comportamento. Hoje ele já fala de um modelo biopsicossocial, ele fala das escolhas das pessoas. Juntando tudo isso, ele criou uma nova forma também de ver essa questão do modelo cognitivo. Ele permite, ele estuda, ele ajuda os outros autores a desenvolverem as linhas deles, diferentemente de Freud que rechaçou todos os seguidores, todos aqueles que quiseram ir contra ele.


Quer saber mais sobre TCC: Já sabe: TCC é no CETCC